segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Ciclos de Passagem

Perdi a intimidade da escrita, tão catártica quando não somos lidos, tão renovadora quando não queremos mostrar nem provar nada a ninguém que não a nós mesmos.
Perdi a vontade de expor palavras, sujeitando-as a análise, julgamento e medida, quando nada há digno de escrutínio. Quando nada existe além da minha vontade solitária de juntar palavras.
Termos de explicar o que escrevemos, como se o tivéssemos escrito para alguém, arranca-nos a vontade de o fazermos.
Talvez por escrever profissionalmente, sujeitando-me ao constante esventrar de cada letra, raciocínio e frase, talvez por sujeitar-me diariamente à busca pelas falhas que possuo e que se expõem, como feridas abertas, a julgamento de terceiros, tenha perdido a vontade de fazê-lo por prazer. Talvez por a escrita se ter tornado ferramenta de artífice, ganha pão, uso martelo e bigorna em vez de pena, vontade férrea ao invés de deleite.
Não fecho ciclos, mas sei que existem transições. Umas mais serenas do que outras, mas sempre passagens para outra coisa qualquer, onde muitas vezes não há espaço para outra coisa qualquer.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Bruce, minha Bitch



Sim, ficou mais giro em gaja do que em gajo, mas daí até elevar esta capa e respectivo modelo à epitome das coisas relevantes e socialmente importantes da vida, vai uma longa distância.
Aguardo o reality show, que certamente virá, na linha do restante gado Kardashiano, no qual ele agora irá inserir-se com muito mais à vontade (pois que sempre se sentiu deslocado enquanto gajo)a fim de acompanhar a vida relevantíssima deste senhor no devido lugar.
Até lá baixem o nível de histeria colectiva, por favor. Isto não é assim tão importante.


sexta-feira, 17 de abril de 2015

Agarrados

Sei que dizem que procuramos apenas aquilo que nos importa, mas não é bem assim. Quantas vezes procuro coisas que não me importam a ponta de um corno, cedendo apenas àquele instinto pateta de satisfazer o meu lado voyeurista e viciado em vazio?
"Se gostasses não ias ver" é uma frase que todos sabemos impossível. Em certos dias cedo ao cansaço e, sem forças para coisas profundas, percorro Instagrams, facebooks de figuras públicas e não só e fico ali literalmente a entrar na vida dos outros, que abrem as portas das suas vidas, sem qualquer espécie de pudor. E acabo sempre por concluir, salvo raras excepções, que as pessoas padecem de forma severa e nauseante do vício da partilha. Estão completamente agarradas, parecendo sofrer de uma espécie de psicose, provavelmente nomeada já por especialistas, psicose essa que os impele a partilharem em modo compulsivo. É o vício da década. Não é droga, não é bebida, nem tabaco, mas apodrece a vida de uma forma corrosiva, porque já não sabem estar numa esplanada, numa viagem, numa praia a sós, na cama, caraças! Já não sabem estar bem, ponto final. É como se, pelo facto de não partilharem não estivessem a viver aquele momento e isso é claustrofóbico a um ponto que não consigo descrever.
Estas pessoas que padecem deste ET que lhes aterrou no cérebro e o mirrou em certos pontos, não deixam nunca de parar em frente a cada espelho e partilhar a sua própria imagem, tirar fotos a si próprios a malhar, a correr, a comer, a defecar, a pintar paredes, unhas, no corredor do supermercado a comprar feijoada enlatada, partilhar escritos, mofo no canto do tecto, idas à casa de banho, ao parque, passeios de carro, na praia, no campo, no shopping, nos elevadores, nos espelhos, muitos, muitos espelhos e, basicamente na puta que os pariu, partilhando cada, mas cada segundo da sua existência que precisa da confirmação da partilha a fim de o cérebro poder processar que passou por ali.
A sério, sei que devo ao mundo todas as doses de tolerância com que o mundo me brinda a mim e às minhas neuroses e taras, sei que devo ao mundo e às pessoas, doses equilibradas de tolerância e compreensão, mas este fenómeno, caraças, deprime-me à brava e não vejo fim à vista. O que é demais enjoa.
Será que chegou a nós uma nuance nova da palavra solidão? Sentir-se-ão estas pessoas estupidamente sós se não se partilharem nestes moldes?
Acordem. Há vida além dos espelhos, eu garanto-vos. O que procuram, o que buscam nas selfies, o que pensam receber com tanto que expõem?
Sim, Ana C. tolera, deixa de ser idiota, até porque já sabes que vai haver cerca de 120 pessoas que pensam que estás a falar delas, mas não, falo do mundo em que vivemos hoje em dia. É urgente acordarmos. Eu que vou ver as 1234 selfies que alguém tirou durante o dia e quem tira 1234 selfies durante o dia.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

pessoas chatas

Depois de percorrer cerca de dez meias maratonas em torno da minha própria cabeça, concluo que não existem pessoas mais estranhas do que aquelas que não sabem rir e concluo também (ó mente cansada a minha que nada mais conclui nem imagina) que não existe situação mais estranha do que aquela em que dizemos uma piada, iniciamos aquele risinho estúpido e meio histérico e a pessoa à nossa frente nos encara com o olhar mais sério e mais chato do mundo. Depois o nosso risinho vai parando, parando até não restar mais nada do que o silêncio enfadonho de quem não ri connosco.
E assim divido o meu mundo entre as pessoas que percebem uma piada, por mais cretina que seja, e aquelas que se ofendem com a piada, ou pior, mil vezes pior, não a atingem.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Umbiguismo

Quando é que as pessoas começarão a pensar que o umbigo alheio também importa na equação da vida?
Quando deixarão as pessoas de acreditar que todos os umbigos gravitam obrigatoriamente em torno do seu e não nasceram a partir dele, por causa dele, ou contra ele? Existindo apenas por si só.
Quando desligarão as pessoas aquele interruptor que tem de iluminá-las a cada instante, protegendo-as, talvez, das luzes dos outros, que, pasme-se, também podem iluminar.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

mães cool

Li ontem um artigo qualquer que debitava dicas sobre como ser uma mãe cool.
Demasiada pressão. Um artigo sobre "como ser mãe", já seria mais do que suficiente, carregarem-lhe com o Cool imprime toda uma nova pressão sobre nós, comuns mortais, que tentamos apenas ser mães.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

culpa

Há muito tempo que tento imaginar-me sem ela.
Tenho-a, sinto-a, desde as entranhas até à ponta da língua e não sei exactamente porquê, já que não existem razões racionais para tê-la, mas penso que isto de nos sentirmos responsáveis por tudo, mesmo por aquilo que não depende directamente de nós, é da condição feminina do princípio dos tempos. Só pode ser.
O dia em que aceitar, mas aceitar mesmo, que não posso ser responsável pelo bom funcionamento do mundo em geral e pela vida dos outros em particular, será o dia em que serei um bocadinho mais pessoa e quem sabe até me lembre de como se respira.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O que me distingue das mulheres com glamour

Aqueles cachecóis/mantas descomunais, axadrezados, quentes e maravilhosos. Porque é que as mulheres com estilo conseguem atirar aquilo sobre o ombro, dar uma reviravolta e ficarem deslumbrantes em cerca de dez segundos e aqui esta mulher simples, das berças da moda, parece sempre que está enrolada numa toalha de banho e acaba com as pontas daquilo a arrastarem pateticamente sobre as poças de lama?
Qual é a arte por trás de tudo isto? Aposto que é um segredo tão bem guardado como dobrar lençóis de elástico, claro.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A Solidão

O trabalho criativo, por muito idílico que soe aos ouvidos mais poéticos, desgasta, fere, corrói a nossa segurança, pois temos de provar que o somos: Criativos, excelentes, irrepreensíveis.
Num despudorado palco, onde rasgamos a alma através do que escrevemos, somos escrutinados por outros olhares, leituras, julgamentos e, das duas uma: Ou temos aquela segurança de betão e nos achamos os melhores do mundo, apesar de tudo aquilo que acharem de nós, ou metade dos dias andamos na merda.
Os filhos estão doentes: Tens de ser criativo.
Há problemas que te deixam com vontade de hibernar para quase todo o sempre debaixo de uma cama escura? Temos pena, tens de ser criativo.
Estás com sono, porque não dormiste a noite inteira? bebe café que passa, tens de ser criativo.
Estás doente? Tens de continuar criativo.
Não te estás a sentir particularmente criativo? Sai dessa, tens de ser criativo.
E ninguém, tirando os que estão no mesmo palco de prova do que nós, entende isto de termos de mostrar que temos imaginação, nos despimos de nós, damos voz aos personagens em detrimento da nossa própria voz, em detrimento da nossa própria vida pessoal.
Ninguém, tirando os que estão no mesmo banco dos réus, entende isto de termos de provar constantemente o nosso valor, mesmo quando apenas nos apetece babar para o teclado.
Sei que tenho muita sorte por fazer aquilo que gosto, mas fazermos aquilo que amamos tem este lado negro e utópico de termos de ser sempre excelentes e a excelência é uma palavra sobrevalorizada.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Dor



Podemos passar os dias a fingir que passou, ou a a dizermos a nós próprios que não tem o direito de nos espreitar em cada fotografia, cheiro, recordação dolorosa, ou feliz.
Podemos passar o tempo inteiro a ignorá-la, ou a remetê-la para um canto de difícil acesso, mas acabará sempre por surgir, imperiosa na sua glória de não poder ser ignorada por muito tempo e quando chega tudo quebra, tudo se esfuma numa névoa pesada que nos cobre de frio. Quando surge, tudo é dela e não conseguimos fazer rigorosamente nada além de esperarmos que decida abandonar-nos.

O John Green é o meu citador preferido, confesso.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Tu Pertences a ti



Mais do que a um país
que a uma família ou geração
mais do que a um passado
que a uma historia ou tradição
tu pertences a ti, não és de ninguém

Mais do que a um patrão
que a uma rotina ou profissão
mais do que a um partido
que a uma equipa ou religião
tu pertences a ti não és de ninguém



8.30 da manhã. 4 graus e nem um raio de sol ainda para derreter o frio que sinto desde os ossos até ao fim do caminho.
A M80 passa uma chatice qualquer sem recordações, bocejo e revejo mentalmente o que terei de escrever da parte da manhã. De repente surge o primeiro acorde e o gelo começa, lentamente, a dar lugar à água.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Não há Natais Perfeitos

Não há Natais perfeitos.
Ou porque perdemos alguém e o Natal limita-se a lembrar-nos de forma dolorosa a ausência física de quem partiu, arrancando, sem escrúpulos, nem contemplações a crosta que já se tinha formado sobre a ferida.
Ou porque nunca tivemos Natais felizes e buscamos sempre o Natal que nunca conhecemos e, no final, sentimos sempre uma espécie de vazio por a consoada não ter correspondido aos nossos sonhos.
Não há Natais perfeitos.
Ou porque insistimos em organizar tudo sem mácula e corresponder às expectativas de todos, menos às nossas.
Ou porque nos limitamos a seguir na maré do que é suposto sentir nesta ocasião e culpamo-nos por nunca sentirmos nada do que é suposto sentirmos.
Não há Natais perfeitos.
Ou porque há gritos, choro e nada das pacíficas noites dos cartões postais que habitam no nosso imaginário.
Ou porque há demasiado trabalho e pouco prazer para alguns de nós e muita preguiça para outros tantos.
Ou porque há mais egoísmo do que sentimentos de altruísmo, ou porque há mais stress do que pacíficas ondas de prazer.
Não há Natais perfeitos.
Ou porque exigimos demasiado, ou porque achamos que nada há que exigir e fugimos para praias, em busca do Sol e de tudo o que nos faça esquecer que é Natal na vida dos outros, ou porque isto, ou porque aquilo.
Assistimos às fugas constantes de pessoas que preferem tentar ignorar que é Natal e a outras tantas pessoas que tentam à viva força que durante uma noite tudo seja diferente, só porque é Natal.
É o aniversário de alguém que nasceu há mais de 2000 anos e que transformámos em Pai Natal, presentes, bacalhau e rabanadas, mas não faz mal, não tem de fazer mal, nós é que somos culpados por nos culparmos tanto.
Vamos perdoar-nos acima de tudo. Aquilo que sentimos é apenas aquilo que sentimos, sem grandes leituras, nem dramas.



*O meu desejo para este Natal é apenas um: Alguém que me prepare um Mulled Wine.
É que vi no Jamie Oliver e fiquei com desejos de Natal. Por mim, ficar sentada a assistir à confusão, com uma caneca destas na mão está ok, ok?

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O milagre da primeira paixão


Já tem 8 anos, mas nunca lhe conheci um fervor apaixonado pela leitura, nem livros terminados em poucos dias.
Sempre leu, tal como sempre gostou de ouvir uma boa história, mas até agora nunca a vi ficar com a luz acesa até mais tarde por causa de nenhuma história e acreditem que já experimentei de tudo.
Nunca desisti, pois sabia que, quando menos esperasse, acabaria por tropeçar numa história que a prendesse de forma irremediável.
E, há cerca de duas semanas, sucedeu o milagre.
Foi um livro dos Cinco? Não.
Foi um livro de Uma Aventura? Não.
Foi qualquer uma das minhas 1385 tentativas literárias anteriores? Não.
Foi este pequeno milagre chamado Avozinha Gângster e ouvi-a gargalhar, chamar-me para partilhar uma página, teimar em não desligar a luz, levar a avozinha para todo o lado.
Vi-a chegar a casa e pegar no livro de capa dura, atirando-se para cima do sofá, mas não para ver televisão. Ela ia para a sua história e eu enchi-me de uma alegria imensa, por vê-la apaixonar-se pela primeira vez. O seu primeiro amor literário.

Ontem, passado pouco mais de 10 dias de o ter começado, chamou-me ao quarto feliz e triste em simultâneo.
Acabei, mãe! Mas e agora, o que é que eu vou ler?

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Tema Recorrente

Selfies com beicinho XL e o pinheiro de Natal iluminado em pano de fundo, de preferência legendadas na língua de Sua Majestade.
Fotografias de uma vida cheia de filtros perfeitos onde nada está fora do lugar, ou quando está é numa espécie de desordem estudada.
Citações que estão na moda citar, mas que ninguém realmente entende, apesar dos suspiros infindos que provocam.
Pessoas que se refugiam no humor para insultar, mas que não têm uma vaga ideia do que é brincar com uma situação, sendo que precisariam de workshops intensivos, desses que se dão de escrita criativa, para começarem sequer a penetrar nos caminhos da jocosidade ligeira.
Estou cada vez mais cansada do mundo dos telemóveis espertos que tudo notificam, que tudo avisam, que tudo dizem, incutindo em nós uma sensação ilusória de partilha permanente de coisa nenhuma.
Farta que não saibamos já viver sem sermos vistos, calarmos opiniões quando não as temos, remetermo-nos ao silêncio da nossa ignorância, quando o silêncio é de facto a única coisa que nos ocorre dizer.
Não temos de saber sempre tudo, de mostrar sempre tudo, de opinar sempre sobre coisa nenhuma.
É preciso descansarmos um pouco de nós e dos outros, mas parece que não dá. As notificações não deixam, a falta de likes angustia, a existência congela a menos que a partilhemos com centenas de outros existentes neste planeta virtual e assim andamos todos. Acompanhados, mas mais sós do que algum dia estivemos.
E agora façam like pelo amor de Cristo :)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Escrever

"Mas quero também a solidão do escritor, a sós com a sua responsabilidade. Não quero a torre de marfim nem uma vida de ausência e alheamento, mas quero e preciso da solidão, do silêncio, do meu ritual, do meu tempo. Porque não há nada de leviano no acto da escrita. Boa ou má, ela precisa de quem a respeite, de quem a compreenda. Escrever é viver intensamente e depois desligar-se intensamente. É um farol que varre o mar, alternando a luz com a escuridão, a presença com a ausência"
(...)
"Eu não sei dizer: sei apenas olhar e sei que, olhando, olhando sempre, vendo o que merece ser visto, eu hei-de escrever"


MST-Não Se Encontra o que Se Procura

É por isto que o Miguel Sousa Tavares me torna cativa daquilo que escreve logo nas primeiras linhas e que detém um dos primeiros lugares no pódio do meu coração de leitora, que emudece sempre no instante em que começo a lê-lo.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

chuva

Chove. O céu escuro, o som da água no chão, nas paredes, no telhado, no mundo inteiro.
Chove e o negro do dia não passa por dentro. Queremos que a noite chegue depressa, para podermos fazer da chuva apenas um som acolhedor, sem termos realmente de lidar com ela, mas a noite demora a surgir, talvez porque pareça sempre de noite quando chove.
Quero tê-los todos por perto, debaixo do céu da nossa casa. Ele segurando a ponta da minha meia grossa, ela no piano, a treinar melodias pequenas que nos enchem de vida, o mais pequeno a querer interrompe-la para nos mostrar que também é digno de atenção.
Chove e eu digo que devo aproveitar a vida, o trabalho que, apesar de cada vez mais desgastante, tem coisas boas. Chove e eu tento encontrar o sol atrás das nuvens, o calor escondido sob o vento forte que nos derruba, as folhas ainda verdes que pingam, vergadas ao peso da chuva. Chove e eu tento encontrar a puta da magia por detrás de tudo, a beleza implícita, como mandam as frases de motivação que tanta gente partilha, mas há dias em que a chuva é apenas uma sucessão de tons de cinzento. Uma merda.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

contenção desabafada

Gosto muito de escrever. É certo que não sou daquelas pessoas cheia de caderninhos, escrevinhando freneticamente todas as angústias pessoais a uma mesa de café, quase nunca encontro uma caneta à mão e não coleciono diários encadernados de viagem (infelizmente, claro), mas sempre consegui organizar-me melhor escrevendo do que falando. Só que, ultimamente, ando contida.
Desperdiço menos palavras escritas, falo menos e reservo-me o direito de não emitir opiniões sobre tudo.
Provavelmente é apenas uma fase, despoletada por muitos meses a viver profissionalmente da escrita, sem férias, nem interrupções, ou ocasionada por muitas leituras erradas daquilo que escrevo.
Também já aprendi a não julgar-me tanto, quer dizer, aprendi a tentar não julgar-me tanto e aceitar que tenho fases de baixa gestão mesmo. Fases em que me apetece recolher-me num canto do sofá a ouvir apenas coisa nenhuma.
O silêncio é cada vez mais essencial na minha vida, pois o ruído de todos os que têm sempre algo a dizer, a partilhar, a fotografar, a criticar enche-nos a vida por todos os lados, fazendo com que esqueçamos que é importante ficarmos calados de vez em quando.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O Palco

Com o maravilhoso advento da virtualidade chegaram centenas de coisas boas, mas, como em tudo, vieram também centenas de coisas menos boas, como a possibilidade de oferecer palco a oligofrénicos, retardados, frustrados, carentes, ressabiados, patéticos, enfim, todo um mundo de seres que desconhecíamos até então e que, não tivessem eles a hipótese do palco do mundo virtual, andariam certamente a tirar bedum das unhas dos pés com uma faca romba, enquanto apreciariam uma vida plena de um vazio impotente.
Portanto, face à falta de quem escute as suas pérolas eruditas dentro das suas vidas reais, buscam incessantemente rumo para a sua existência em caixas de comentários, vomitando as suas fezes verbais em fóruns, blocos noticiosos, páginas, blogues e afins. E todos, mas rigorosamente todos eles, os que buscam as luzes de uma ribalta forçada, têm uma opinião a dar sobre um assunto qualquer, por mais inusitado que seja.
Se existe uma notícia de alguém que morreu ao tentar produzir uma porca revolucionária para uma roda de triciclo, poderemos contar com centenas de sedentos do palco, opinando, comparando, julgando a qualidade da porca em questão e jurando que fariam melhor.
Resta-me o consolo de imaginá-los já noite alta, e depois de fazerem um "Postar Comentário" em mais uma notícia, ou fotografia partilhada, afastando-se em direcção à cama romba, que chia ao seu contacto, pousando os cabelos sebosos na almofada forrada a flanela puída e escutando o silêncio ruidoso de uma vida solitária.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Begin Again




A música tem o poder de nos elevar, de nos resgatar, de nos comover, unir, fazer sorrir, correr de emoção, ou simplesmente fechar os olhos e viajar até onde escutámos pela primeira vez aquela canção em particular. A música sempre fez parte da minha vida e partilhá-la com alguém é das emoções mais fortes que podemos ter.
Não concebo a minha vida sem música e este filme é uma das melhores e mais sensíveis homenagens ao poder da música nas nossas vidas.
Agora restam-me mais trezentos filmes para ir ver´, a começar pelo do meu querido Clint Eastwood, mas o tempo, meu deus, o tempo para nos dedicarmos àquilo que nos dá prazer, onde é que ele está?


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Os Oprimidos

Podia ser o título de um filme de época, cuja história se desenrola na altura da revolução industrial, mas não. É simplesmente o título que melhor define a forma como andamos todos neste país de merda.
"Não estás contente, há quem queira o teu lugar", "achas que ganhas pouco, mas há quem não ganhe nada", "tens sorte por ter um trabalho, porque é que te queixas, seu mal agradecido?".
Então quem se queixa é ímpar na sua ingratidão, quem se queixa é mandrião, quem se queixa é revolucionário, quem se queixa está a pôr a sua cabeça a prémio e a abrir lugar a uma fila de pessoas prontas a não se queixarem.
E é de mordaças que travam a língua, cordas que ferem os pulsos, vida medíocre de árduo trabalho e pouco salário que é feito o dia a dia de milhões de portugueses resignados com a sua sorte.
Úlceras progridem a galope nos estômagos tugas, sapos crescem atingindo dimensões profundamente indigestas, revoltas processam-se em organismos cansados de engolir afrontas, mas prosseguem os patrões em carros de grande categoria, levando vidas de grande ostentação, sob o olhar atento do trabalhador explorado.
Há também aquela classe de elite de entidades patronais que julgam função e obrigação do trabalhador pedir que seja pago o ordenado a tempo e horas e que ficam afrontados caso lhes seja pedido com docilidade o dinheiro a que se tem direito.
E é assim que caminho a passos largos para abraçar o Marxismo, só para abanar um bocadinho o sistema instituído. Depois deixo.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Para Vocês

Aos resistentes que ainda param aqui de vez em quando, aos não resistentes e aos aleatórios. A todos:
Apareçam, estarei à vossa espera.



sexta-feira, 5 de setembro de 2014

aceitação

A última vez que falei com o Sérgio (a quem dedico também o meu livro e que partiu também com cancro)estava em pânico por causa da minha timidez crónica e falta de jeito absoluta para defender aquilo que faço em voz alta. Tinha de ir falar sobre o livro a uns programas, tinha de falar no lançamento do livro e andava com uma séria congestão nervosa, a caminho de uma desinteria crónica.
Ele disse-me apenas que quando estamos seguros daquilo que fizemos o medo fica bem mais submerso.
E acho que é isso.
O truque é pormos sempre tudo de nós naquilo que fazemos e sentirmos orgulho no nosso trabalho, seja a escrever cenas lamechas de telenovela, cenas cómicas de série, livros onde abrimos a parte de dentro do coração.
Ele tinha razão e não foi apenas por já não estar aqui que lhe atribuo uma conveniente aura de sapiência súbita.
Há pessoas mais sensatas do que outras e por vezes precisamos apenas que sejam sensatos por nós.
É estranho isto da passagem do tempo. É como se fossemos várias caixas que vão sendo abertas ao longo dos anos, como se fossemos nós, mas sem sermos já nós. Não é mau ficarmos diferentes, é apenas humano e é isso que temos que aceitar.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Viagem ao Fim do Coração

Se quiserem, ou tiverem a dose de paciência necessária para fazerem um Gosto na página do meu livrinho, força. Se não quiserem eis que vos envio força também.
É o livro que prometi à Rita/Silvina, dos Episódios de Rádio. A minha forma de lhe piscar o olho e de lhe garantir um pequeno pedaço de eternidade.
Não é a história da Rita, mas é uma história para a Rita. É que dentro de mim ninguém morre.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Queria dizer tanta coisa



Sobre cancro, irmãos, solidão, desamor, esperança, perda de esperança e amor de novo; falta dele, excesso dele e a medida certa desse sentimento que nos rege a vida inteira, quer por o termos, por nos sufocar, por não o conhecermos, por entendermos que não o merecemos.
Acho que o disse no meio das linhas que em breve vos pertencerão e agora simplesmente não consigo falar sobre isso.
O mesmo problema de sempre: Escrevo e deixa de me pertencer. Mas um dia ainda me dirão que tudo isto acontece a todos.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

S.O.S Patriotismo em Crise

Regressada de uma merecida viagem de três dias a uma capital europeia (já lá vai mais de um mês, mas pronto), concluo mais uma vez que só quem não viaja muito pela Europa é que é capaz de achar Lisboa a primeira maravilha do velho Continente.
Ainda temos um longo, para não dizer interminável, caminho pela frente até chegarmos aos calcanhares da maioria das capitais europeias, ou até mesmo das cidades periféricas e terciárias de outros países da Europa.
Andar a pé por Lisboa ainda é uma experiência de sobrevivência para mim. Sobrevivência ao mau cheiro, à merda no chão, à falta de espaço para peões, à sujidade entranhada, às esplanadas de plástico a dizerem sumol.
Andar por Lisboa ainda tem muito mais de cansaço do que de descontração.
E, apesar de existirem já vários sítios que fazem concorrência séria a estabelecimentos de qualquer outro país, a maioria das zonas de Lisboa é uma valente merda e sinto-me num esforço constante por achar bonito, completo, ao melhor nível, quando não deveria ter de ser um esforço.
Tenho a certeza de que quando os meus roteiros de viagem se alterarem para outros países a sul do Deserto do Saara, a minha perspectiva se alterará e regressarei a Lisboa e ao aeroporto da Merdela (mais conhecido por Portela) de lágrimas comovidas na fronha. Até lá, e peço desde já desculpa aos patriotas mais sensíveis, somos uma rebarbada merda.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

com tanta coisa que inventam

para quando uma incubadora para o nosso próprio cérebro?
Ficaríamos de fora, a vê-lo recuperar de prematuridades e reacções tardias, velando pelo seu repouso, mas sem neurónios em funcionamento que nos retirassem do estado de total esvaziamento.
Nós numa cadeira de balouço com zero pensamentos, descansaríamos dele.
Ele na incubadora a descansar de nós.
O idílio.

terça-feira, 22 de julho de 2014

O Bovino Gado do tudo incluído

Pensei que vir dois dias para uma destas coisas com pulseirinha e tudo incluído me descansaria de todas as maleitas e cansaços rotineiros e me faria renascer enquanto ser divino que sei que sou. Vai daí considerei séria e filosoficamente a hipótese e reservei dois diazitos desta coisa de pulseira e descanso de obrigações culinárias.
Penetrei no recinto com esperança renovada no renascimento físico e mental e foi com um sorriso de esplendor que recebi a pulseira plastificada no pulso.
Pensei ter ouvido sinos e vozes angelicais entoando Aleluia, quando desci ao piso do restaurante, mas eis se não quando me deparo com algo inesperado. Um factor que não tinha considerado na minha equação de descanso físico e mental: Uma equação chamada Gado.
Eles vêm em manadas e puxam cadeiras com estridente alarido, pingando molho de carne e salada das beiças e falando alto. Eles esperam em ânsias a hora da janta, do lanche com Hamburgo e tosta mística, do almoço e formam aglomerados bovinos à porta do buffet, roçando o calcanhar no alcatifado, incentivando o próximo a chegar antes dele à mesa das carnes.
Eles coçam o umbigo e afloram a tomateira por dentro dos bolsos das bermudas pela canela, enquanto observam a unha engrossada pelo fungo, que amolecem com comovente dedicação na piscina do recinto.
Eles gritam com os putos para virem ao lanche e à bucha, enquanto eu grito com os meus putos para pararem de me pedir para irem ao sítio onde não estão, fazerem aquilo que não fazem, quererem aquilo que não têm.
Eles correm quando chamam para a Zumba à beira da piscina, ou para uma actividade de futebol nas bordas do relvado, tal e qual o gado conduzido no pasto.
Mas, acima de tudo, acima da terra e do céu, do esplendor e do pecado, do bem e do mal, eles vibram mesmo é com a comida e a bebida incluída e eu dou graças ao Espírito Santo por ter feito a experiência apenas por dois dias. É que o gado ruminante cansa e isto já não são férias nem são nada, é apenas um embuchar permanente e flatulento de coisa nenhuma.

domingo, 6 de julho de 2014

Doce e Sumarento



Já andava para tirar do peito este encantamento há bastante tempo, mas só hoje decidi partilhá-lo aqui.
Um misto de Capitães da Areia com a escrita mais refrescante dos últimos anos.
Isto de partilharmos aquilo que lemos e adorámos, como se fosse impossível discordarem de nós, é sempre chato, pois aquilo que me diz tanto, pode não dizer assim grande coisa a mais alguém, mas esta menina, chamada NoViolet, escreve com todos os sentidos em simultâneo :)

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Ai, Eddie, Eddie



Porque tinhas tu de ir para um festival no meio o pó, do chulé e sovaco? Porque não podias tu vir cantarolar para a porta de minha casa?

Aceitar

Penso muitas vezes em todas as coisas complicadas da vida e, na maior parte das vezes em que penso nas coisas complicadas da vida, concluo que o mais difícil é a aceitação.
Aceitarmos que não podemos modificar comportamentos.
Aceitarmos que nem tudo é moldável à nossa vontade.
Aceitarmos que o passado é estático e não pode ficar diferente, por muito que queiramos que tivesse sido diferente.
Aceitarmos que somos como somos e pararmos de lutar contra nós próprios.
Aceitarmos que os outros são como são e pararmos de lutar contra eles.
Aceitarmos que o mundo, invariavelmente, não quer saber dos nossos passos, nem abranda o ritmo para que consigamos acompanhá-lo.
Aceitarmos que temos de abrandar, a fim de conseguirmos acompanhar o que nos sucede.
Aceitarmos.
Depois de conseguirmos aceitar chega uma doce, quase transcendente, paz e pensamos como é que tudo sempre esteve ao nosso alcance e como é que nunca parámos antes para aceitar o inevitável.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Show must go on

Esta é provavelmente uma das expressões mais filhas da puta de sempre.
Nunca entendi verdadeiramente o seu significado até sentir na pele o que é ter de prosseguir, quando a vontade é parar.
A vida devia poder parar em homenagem a certos momentos, mas não pára e essa é a maior lição de todas. A de que não somos assim tão especiais na ordem inevitável do mundo, ao ponto de ele parar de girar por nós.