terça-feira, 3 de abril de 2012

Da Morte, essa velhaca

"Oh! Não compreende sequer esta palavra: morte. Na sua idade, não significa nada. Na minha, é terrível. Sim, compreendemo-lo de repente, não sabemos porquê nem a propósito de quê. Então, tudo muda de aspecto na vida.
Por mim, há 15 anos, sinto-a minar-me como se trouxesse cá dentro um animal a roer-me. Dei por isso aos poucos, mês a mês, hora a hora, a abalar-me assim como uma casa que vai abater. Desfigurou-me tão completamente que já não me reconheço. Já não tenho nada de mim, do homem radiante, fresco e forte que era aos 30 anos (...) Sim, ela vai realizando, a velhaca, docemente, terrivelmente, a longa destruição do meu ser, segundo a segundo. Agora, sinto-me morrer em tudo o que faço. Cada passo me aproxima dela, cada movimento, cada respiração apressa a sua odiosa tarefa. Respirar, dormir, beber, trabalhar, tudo o que fazemos é morrer. Viver, em suma, é morrer (...) descubro-a por toda a parte. Os insectos esmagados no caminho, as folhas que caem, o cabelo branco descoberto na barba de um amigo, dilaceram-me o coração e gritam: Aí está ela! Estraga-me tudo o que faço, o que como, bebo, tudo o que gosto.
Ninguém volta mais. Nunca. Guardam as formas das estátuas, os cunhos com que se fazem os objectos iguais; meus desejos não voltarão mais. No entanto, nascerão milhões, biliões de seres, que terão, no espaço de alguns centímetros quadrados, nariz, olhos, testa, faces, boca como eu, sem que jamais, qualquer coisa de mim que seja reconhecível, reapareça nessas criaturas inumeráveis e diferentes, embora quase semelhantes (...)


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