sexta-feira, 29 de novembro de 2013

a minha terra

A luz entra pela direita e aquece-me o rosto enclausurado na mesma expressão. Entra enviesada, tocando ao de leve as palavras frias que não profiro e iluminando aquele esgar de dor que não chego a materializar.
Quero que seja sempre assim, a luz, que chegue quando eu não der por ela e que se faça sentir apenas por sugestão na minha pele. Pensando melhor, quero que seja também assim a morte.
Do outro lado da janela, além da claridade morna que me recorda que existo, anuncia-se o casario branco e abandonado, onde já não moram vozes, nem se entoam canções na direcção do vento. De onde me encontro, vejo o vermelho gasto das telhas e pronuncio em voz alta os nomes das pessoas que ali viviam, deixando que a fina e acutilante dor da saudade me lembre que ainda permaneço ali.
O Crisóstomo, a Jacinta, o velho Dário das pernas mancas e a Dulce, a doce Dulce dos cinco filhos, que os contava a cada manhã, conferindo-os, para nunca lhes perder a conta, nem o feitio.
Já eu, não preciso de contá-los, pois perdê-los de mim é uma impossibilidade emocional. Trago-os no meio do vento e da luz desta aldeia onde permaneço. Caminho-os, quando, de pés doridos e frios, insisto em percorrer as ruas empedradas e vazias, parando em cada porta antiga que os tinha e chamando por eles, como se assim pudessem retornar à nossa terra e deixar de a pensar no singular, abandonada da vida dos outros.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

avós

Avós, muitos avós no feminino e masculino, acompanham os netos nas actividades pós escola. Uns ficam a preencher palavras cruzadas, outras definem estratégias de banhos e jantares, falando com as filhas pelo telemóvel, ordenando que não se atrasem de novo, que não sabem se têm jantar para os meninos, mas tentarão dar um jeitinho.
Eu sou uma das poucas mães no meio infindo de tantos avós que esperam pelo final da aula de natação. Fico ali sentada, a ver a minha filha crescida nas suas braçadas periclitantes, a bebericar um café demasiado torrado e a pensar que, hoje em dia, muita coisa só é possível por causa dos avós e que eles estão de novo, como nos primórdios não tão antigos da nossa História, a regressar em força à vida dos netos.
O que seria destas filhas com filhos, sem os seus pais, ou sogros, para complementar os seus atrasos, as suas idas madrugadoras para o trabalho? Agradecer-lhes-ão o suficiente? Terão consciência dessa maternidade tão mais suavizada pela presença constante e sem cerimónia daqueles que estão lá por elas?
Espero que sim.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Uma imagem vale mais do que Todas as Palavras de Amor

Ela decidiu começar a fotografar pessoas que leem e, graças a ela, percebi que as pessoas ficam sempre bonitas quando leem.
Criou um blogue onde coloca as fotografias que tira a essas pessoas, juntamente com algumas frases que o leitor fotografado tem a dizer sobre o livro que segura nas mãos. Chamou-lhe Acordo Fotográfico.
Ela decidiu aparecer na Feira do Livro, no dia em que eu andava por lá, e achar que valia a pena tirar-me uma fotografia para o seu blogue (sim, há pessoas que encontram interesse nas pessoas menos interessantes do mundo ;))
Finalmente conseguiu o impensável: Fotografar alguém que lia o meu livro. E quando hoje vi esta fotografia

e o texto que a acompanhava, percebi como uma imagem tem o poder de nos fazer sentir tantas emoções em simultâneo e como sintetiza na perfeição tudo aquilo que não conseguimos transpor para palavras.


terça-feira, 19 de novembro de 2013

Sucesso de Vendas e Mitos Urbanos



Já há muito tempo que percebi que o facto de um livro constar de um top de vendas, nacional, ou internacional, é sinónimo para muitos, de reles qualidade literária.
Mas não acreditem em tudo aquilo que é suposto acreditarem, como o facto de os livros bons apenas serem apreciáveis por uma minoria eclética, que vasculha alfarrabistas, ou livrarias gourmet. Ou o mito que os escritores que têm sucesso não têm qualidade.
Aqui temos três exemplos de sucesso, que ocuparam as prateleiras dos tops e que mereceram o top, sim senhora :)

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A mãe

Abraça a filha doente, numa fotografia com contornos de amor e dizem-lhe que acredite na cura, que os milagres existem. Ela, que acreditou durante tanto tempo que os milagres aconteciam, começa a ficar cansada de ouvir falar em milagres. Apenas quer sentir o cheiro da sua menina.
Abraça a filha doente, numa fotografia a preto e branco, onde deixa o seu desejo de poder trocar de lugar com ela, pois essa troca de vidas é a única ideia que se lhe afigura como razoável, e falam-lhe de novo na fé que não pode perder. Ela, mulher de fé durante tantos anos, começa a ficar cansada que lhe falem de fé. E acha que pode perdê-la sim, sem que seja crime, sem que tenha que sentir-se pecadora.
Ela, mãe de uma menina doente, olha a fotografia a preto e branco e nada concebe além daquele momento. Deseja apenas ficar ali, sentindo a respiração quente da sua filha doente.
A mãe não quer mais ouvir falar de fé, nem de milagres. Ela não quer mais saber de curas metafísicas, nem correntes de orações que salvarão o seu amor.
Ela quer que calem as palavras de consolo, as correntes de fé, as orações pela cura que não cura nunca.
Ela não quer escutar rigorosamente mais nada além das batidas do coração da menina que é sua, por enquanto. Ela quer apenas poder trocar de lugar. Esse é agora o único milagre que pede.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Na memória

Deve ser fodido morrermos. Principalmente quando temos tanta coisa por fazer. E é incrível como nos surgem sempre tantas coisas por fazer, quando a possibilidade concreta da morte nos chega sob a forma de um exame e da voz distante de um médico.
Queria mostrar a mim própria que sou capaz de fazer duas mãos cheias de coisas, que até podem nem parecer grande coisa, mas que são imensas para mim. Queria continuar a viajar e a sentir que o meu mundo é tão incrivelmente irrelevante, quando comparado ao mundo dos outros, que nos são diferentes. Queria continuar a perder-me na descoberta de outras culturas, pois é a melhor forma que conheço de me perder. Queria continuar a escutar o ruído da minha cidade, a chuva no rosto e o vento na cara, enquanto pedalo a toda a velocidade no meio do trânsito. Correr, meu Deus, que saudades de correr e calçar sapatos confortáveis e escolher uma roupa bonita. Queria continuar a comer aquela pizza fininha e calórica, naquele restaurante meio seboso que adoro, sem imaginar a gordura processada a alimentar-me o cancro. Queria continuar a pintar as unhas, a tomar duche a horas despropositadas, beber imperiais geladas, sem ter que lidar com sintomas secundários. Queria continuar a ler livros e a sentir o gosto do café acabado de fazer. São as coisas em que ninguém repara que me dói mais ter que perder. E depois temos as coisas mais importantes. Dessas não falo. Sonho-as apenas, como um sentimento que magoa por nunca nos ter acontecido.
As coisas importantes, como o amor, nunca me aconteceram de verdade. E isso. O amor, ou a falta dele, é o que me custa mais.
Estou agarrada à esperança de vir a ser amada e isso pode muito. A esperança do amor é bem capaz de me dar alento ao corpo, para que lute contra os agressores, para que não desista já. Não enquanto não tiver conhecido aquilo de que falam os outros.
É um tremendo lugar comum, bem sei. Mas é nos lugares comuns que reside o que verdadeiramente importa, quando lidamos com isto do cancro.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Em defesa de Magali

Pois que venho aqui, extemporaneamente bem sei, mas ainda assim a tempo de defender Magali Rebelo Pinto dos vis insultos que têm sido proferidos na sua direcção.
Factos:
As opiniões revestem-se da importância de quem as profere, e Magali não desempenha funções num qualquer cargo público, que a forcem a ser comedida nas suas opiniões.
Magali não tem que partilhar das nossas opiniões.
Magali, apenas porque escreve livros que muitas pessoas debicam, não tem necessariamente que conseguir falar de forma a alcançar o top 10 de popularidade.
Magali disse aquilo que achava sobre pessoas e crise e austeridade e coisas, imensas coisas, sei lá. E essas coisas são aquilo em que acredita.
Perguntarão vocês:
Mas como é possível isso ser aquilo em que ela acredita?
E responderei eu:
É possível, sim. Eu acredito que existirá imensa gente a pensar como ela. Pelo menos tantos quantos votaram PSD nas últimas autárquicas e temos que respeitar opiniões diferentes, ainda quando a vontade interior seja a de arremessarmos tijolos na direcção de quem as profere.
Este é o maior dos exercícios de democracia e cidadania. Respiremos fundo e passemos ao lado.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O meu lugar são vocês

Cresce e não sofre retrocessos, daqueles que nos fazem questionar a sua prevalência.
É linear, no sentido ascendente, ao longo da nossa vida inteira.
É escuro e pintado de medo, quando pensamos que podemos perdê-lo e radiante, pleno dos reflexos da felicidade quando sentimos que o temos na nossa vida, com a cadência suave das coisas que não podem partir, porque não é suposto que partam antes de nós.
É pleno e esvazia-nos de tudo aquilo que não importa e vem sempre no começo de todas as listas de prioridades.
É o que melhor nos ensina um sentido para tudo aquilo que fizemos até ele e é ele quem nos diz que há sempre um sentido, desde que o tenhamos no final do dia, em forma de voz, cheiro, importância física.
É ele o grande, imenso, incomensurável amor da nossa vida e venham paixões pouco domesticadas, homens e mulheres e amigos e amigas, cheios de fogo e vento e tudo aquilo que nos sopra de vida apaixonada. Venham viagens e conquistas e bravas e louváveis atitudes, venham pessoas que nos aplaudam, outras tantas que nos abençoem, venha o mar, o céu, a terra inteira engolir-nos, a fim de mostrar-nos que a vida é muito mais, que a mim bastar-me-á sempre os vossos braços em redor do meu pescoço, os vossos lábios suaves na minha bochecha orgulhosa, para sentir que é precisamente esse o meu lugar e que não moveria nada de tudo aquilo que não fiz, ou das coisas que não me fizeram feliz, se isso implicasse não ter-vos, tal e qual vos tenho.
É que eu não sabia que podia amar-se assim antes de vos conhecer. Não sabia que a vida podia parecer tão imensa antes, mas tão pouca depois.
Não sabia que podia amar-se assim e hoje sei que pode existir uma espécie de amor sem mácula, nem egoísmo. Uma espécie de amor que sobrevive apenas do cheiro, da voz, das mãos e dos olhares na minha direcção, ou para longe de mim.
Serei para sempre vossa e vocês, irremediavelmente, cada vez menos meus, mas não importa, pois sei que nada mudará.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

solidão virtual

Passeio em Sintra e decido fotografar os meus ténis no meio da calçada e das folhas alaranjadas pelo Outono. Inspiro a única humidade que desculpo, a de Sintra, e olho em meu redor. Tudo aquilo é fotografável, publicável, partilhável e, por momentos, esqueço-me de que estou ali e de que é verdadeiramente possível existir fora das partilhas virtuais.
Os meus pés nas folhas, que bela fotografia para o Instagram, a minha ida a um hotel centenário, o que seria se não a partilhasse e esperasse pelos comentários dessa rede invisível, que liga pessoas que não vemos.
Passeio em Sintra e penso como é estúpida esta constante partilha de tudo e como faz com que nos sintamos sempre superiores àquilo que realmente somos.
Há quem cozinhe e partilhe aquilo que come, imaginando-se o Jamie Oliver, ou guru das comidas saudáveis, há quem empreenda tarefas domésticas e as descreva on-line, com dignidade de trabalho, quando na realidade são um simples desespero, sem brilho, nem graça de espécie alguma. Há quem escrevinhe pensamentos na sua página virtual e entenda que os comentários àquilo que escreveu validam a sua veia artística, que pode até ser nula. Há quem partilhe uma doença de um filho, por sentir-se mais acompanhada na luta inimaginável que atravessa.
Não consigo julgar de verdade, mas fico triste, pois nada disto é sinónimo de amizade, nada disto equivale a talento, nem popularidade real. Nada disto é verdadeiramente nada. Revela apenas um talento para fugir a si próprio, ou à solidão.
O número de casais que decide sentar-se nas mesas dos restaurantes, cada um partilhando aquele momento na rede, com os seus Tablets, ou Smart Phones e não se comunicam, não se olham, não se falam, não se dirigem, assusta-me de forma irreversível e obriga-me a desligar às pressas todos os aparelhos que me liguem ao mundo fora dos meus momentos importantes.
É que tenho medo de me esquecer como se vive, com todos os podres que são inerentes a qualquer vida normal, sem empolamentos.
A internet, a par de tantas coisas magníficas que trouxe, trouxe também a morte do olhar e morro de medo de me esquecer como se olha pelos meus olhos.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

alguém sabe

quantos litros de baba é possível jorrarmos pelos nossos filhos, sem pôr em causa a eficácia dos desumidificadores da nossa casa?

Prova de obstáculos

Alguém me disse, com razão, que o casamento é uma prova de obstáculos. Há quem prefira parar a cada obstáculo e reconsiderar o percurso inteiro e há quem simplesmente se dedique a encontrar uma forma de ultrapassar o obstáculo que surge. Há os optimistas que nunca enxergam obstáculo nenhum, mesmo quando está um rochedo diante do seu nariz, e há os que encontram rochedos em cada pequena pedra no caminho. Há os que pensam que o casamento tem que ser um constante passeio no parque, a cada dia, a cada minuto de vida em comum, há que respirar a paixão e enamoramento do começo de tudo e há os que pensam que o casamento é sinónimo de final de tudo aquilo.
Da conjugação destas visões surgirão discussões, fugas em frente, ou para baixo, dias péssimos, outros muito bons, mas cada vez menos dias de passeios no parque, até porque deixa de haver tempo para passeios e os parques nunca são como idealizámos.
O casamento é tramado, duro e execrável muitas vezes e outras tantas é precisamente o que precisamos para nos sentirmos felizes. É simplesmente assim e isso não é mau, nem bom. É.
Quanto mais lúcidos estivermos em relação à natureza do casamento, mais fácil será resolvermos os problemas que surjam, sem grandes extrapolações, nem dramatismos.





sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Coisas que me chateiam, outras que nem por isso e as abóboras satânicas

As pessoas que se indignam com o Halloween, aludindo a Satanás e afins, de cada vez que se cruzam com uma abóbora, conseguem ser mais chatas do que o próprio Halloween. Relaxem.
O Halloween é menos chato do que o Carnaval.
O Carnaval é mais chato do que o Pai Natal e do que o Halloween.
Os jornalistas que vasculham o lixo da Bárbara conseguem ser mais asquerosos do que o Manuel Maria.
Um jornal, ou revista, que sobressairia pela positiva seria um que não mencionasse uma única palavra daquele ser minúsculo (como bem diz o Daniel Oliveira).
O Manuel Maria podia fazer de máscara de Halloween.
As mulheres normais que passam a vida a dizer que estão gordas. Ok, uma vez passa, duas talvez passe um bocadinho, pois quem não se acha gordíssima, pelo menos uma vez por mês?Agora constantemente a carpirem o seu peso, quando não passam de pessoas nem gordas, nem magras, maça-me e dá-me vontade de desferir chapadas na direcção das suas faces.