segunda-feira, 17 de março de 2014

O meu rapaz

De todos os meninos, calhaste-me tu. Sensível, meigo e tremendamente agarrado a mim.
De todos os meninos, calhaste-me tu, porque seguramente levaste contigo tanto do meu feitio, quando te formaste aqui dentro de mim.
Não sou daquelas mães que gosta de se rever nos filhos, pois sei-me carregada de coisas de que não gosto particularmente. Gosto de vê-los diferentes naquilo que não tenho de bom, mas também sei que nem sempre isso é possível e tento aceitá-lo, sem dramas.
Ainda não acertei bem no tom para que não fiques sentido quando quero que voes sem a minha ajuda, para que não me julgues dura, ou mil vezes pior, para que não penses, nesse teu peito pouco racional, que te gosto menos. Porque o meu amor por ti é directamente proporcional às minhas vãs tentativas de te ensinar que o mundo é um local seguro sem mim.
O meu amor por ti não se nota aos teus olhos, quando te deixo na escola a perguntares-me dezenas de vezes se te vou buscar, não se deixa ver quando pensas que já não te dou tanta importância. O meu amor por ti estará, agora, maioritariamente nos gestos que não compreendes e isso deixa-me sempre sem fôlego. Mas sei, ou quero acreditar que sei, que amanhã poderemos respirar fundo finalmente.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Não faz mal serem "vencidos"

Sou só eu que já vomito estas trampas?

Chavões que são fáceis de dizer, mas infinitamente complicados de empreender, frases feitas, que meio mundo parece seguir, publicar e aplaudir, mas que a nós, comuns mortais, nos custam realizar.
Não se preocupem com isso de fazerem tudo na perfeição e de conseguirem viver apenas no presente, sem expectativas e aura budista. Não se preocupem se acharem, de vez em quando, que a vida é fodida, porque a vida é fodida, de vez em quando, mesmo quando não existem verdadeiros dramas sobre nós , mesmo quando, aparentemente, temos tudo para sermos felizes. Não podemos controlar as emoções, ao ponto de não sentirmos um pequeno drama por coisas banais de vez em quando, ou por não sabermos lutar contra o quotidiano instalado, com a pose irrepreensível de tantos endeusados que parecem rodear-nos.
É que isto de ter ligações à internet e ver a vida editada dos outros, em fotografias idílicas e sempre felizes, sobe muito a fasquia. A malta das fotografias felizes tem uma vida normal nas entrelinhas, também chora, também grita com os putos, também se exalta e acha tudo uma valente merda de vez em quando.
Desculpem-se mais e vão andando em frente, com a única certeza de que voltarão atrás várias vezes e que se angustiarão com o futuro outras tantas, porque isso de viver apenas no presente é uma rebarbada utopia.




quarta-feira, 12 de março de 2014

A minha rua

tem nome de poeta, mas nela não há poesia, apenas merda, por canídeos polvilhada e simetricamente distribuída.
De tantos em tantos metros há um cagalhão, ora esborrachado pelas rodas dos carros, ou pelas solas de um ingénuo caminhante solitário, ora espalhado aos sete ventos, quando a caca é seca pela pobre alimentação, ora depositado com carinhoso afinco em montículos artísticos sobre a calçada de fronte da minha porta.
A minha rua podia cheirar a relva e a orvalho, podia cheirar a sol e a campo, sonhemos alto, a maresia, mas cheira a fétida bosta das entranhas e isso aborrece-me.
Apanho esporadicamente senhores e senhoras vestidos para correr, despachando os pós digeridos de seus animais de estimação na minha rua e, ante a estupefacção espelhada nas suas estúpidas faces, intervenho, mas de nada adianta, nada soluciono desta praga de merda que se apoderou da minha rua com nome de poeta.
Cada novo cão que chega, atraído pelo fétido fedor de outros cagadores, é um novo cagalhão que se acumula e juro-vos, com toda a poesia que respeito, até pelo nome da minha rua, que um dia deixo-me de poemas e recolho uma a uma, as poias infectas e fumegantes de excremento, para espalhá-las, qual botox capilar, nos escalpes de seus donos corredores de maratonas.
Declamarei então poemas de júbilo, receberei e desferirei socos, mas serei livre de toda a bosta que tenho entalada na glote.
Quem sabe até, no final desta guerra fria, não pedirei ao Nuno Markl que me desenhe cagalhões caninos, a fim de estampar t-shirts e oferecer a quem de direito. Não terão, porém, batom, nem aspecto fofinho, prometo.

quinta-feira, 6 de março de 2014

A todas as mães de meninas



Cujas filhas padeçam desta enfermidade.
Estou convosco nessa luta inglória contra o cravanço de merchandising relacionado com esta merda.
Para quando papel higiénico da série? Aí sim, compraria com gosto.

quarta-feira, 5 de março de 2014

pedantismo

Ontem falava com a Melissa sobre pedantismo e como é importante, tantas vezes, o autor, tradutor, jornalista, ou o diabo que o carregue, conseguir desaparecer em prol da história.
Quanto menos se notar dele, mais sublime fica o trabalho.
Mas sei que é complicado despirmos o ego e desaparecermos, em prol do que quer que seja, pois gostamos sempre de enfiar uma qualquer bandeira que diga ao mundo inteiro que fizemos aquilo, que sabemos daqueloutro, que dominamos mais outra coisa qualquer e vamos enfiando pistas, deixando marcas de nós por todo o lado, quais canídeos marcando território.
Nos dias que correm, a "invisibilidade" é tarefa praticamente impossível de levar a cabo, pois a vaidade está sempre ali a querer saltar por todos os lados. Assim, é vinte vezes mais gratificante quando descobrimos apenas a ponta do véu, o latente, o guardado com recato.